quinta-feira, 29 de março de 2012

Desencontros

Foi numa quarta-feira à noite. Era festa na casa de um amigo em comum. Ela já havia bebido mais do que deveria. Ele andava meio triste com o final de um namoro. Se conheceram fumando um baseado na varanda. Lá pelas tantas, se esbarraram no corredor. Ficaram ali mesmo. Como já era tarde, não passaram de uns beijos furtivos. Mas antes de ir, trocaram telefones e facebooks.

No dia seguinte, ele acordou pensando nela. Lembrava de detalhes do rosto, do perfume que ela usava. Foi trabalhar nas nuvens. O pessoal da firma ficou até comentando. E ele fez questão de admitir, “conheci uma menina que mexeu comigo”.

Ela acordou tarde. A ressaca até doía. Tentou comer alguma coisa, mas desistiu. Durante o banho, começou a pensar no que havia feito. Quando lembrou do carinha que tinha beijado, pediu para morrer. Ele era péssimo. Parecia pegajoso. Jurou nunca mais beber assim.

Após passar o dia pensando se ligava ou não, ele resolveu tentar a sorte. Ela deu end, é claro. Mas ele não desistiu. Deixou mensagem no facebook, mandou um SMS e ligou para o amigo em comum, para saber mais detalhes da moça. De tanto insistir, acabaram se encontrando.

Ela foi educada, mas deixou as coisas claras. Não queria nada com ele. Não adiantou. O cara estava cada vez mais obcecado. Mandou flores, escreveu poesias; ligava dia sim dia não. Aos poucos, ela foi cedendo. Afinal, ele não era de se jogar fora. Era bem sucedido, tinha lá o seu charme e, acima de tudo, gostava dela.

Começaram a sair. No começo, ela ficou reticente. Mas depois deixou-se levar. A primeira trepada foi excelente. Passaram a se falar todos os dias. Dormiram juntos no final de semana. Parecia perfeito. Mas quando ela admitiu que estava apaixonada, ele se assustou.

Não queria namorar tão cedo. Se estava tão bom assim, para que mudar? Ela não aceitou, é claro. Ele passou a ligar menos, não responder às mensagens. Numa noite dessas, se esbarraram por acaso. Ela quis, ele preferiu outra. Nunca mais se falaram. Acabaram terminando antes de começar.

quinta-feira, 22 de março de 2012

Nunca é tarde

Era impecável no trajar. Sempre distinto, impoluto. Usava gravata até para ir à padaria. Quando estava em companhia da esposa, D. Lucy, ficava ainda mais elegante. Pareciam saídos de um filme antigo. Dava gosto de ver.

Seu Agenor já estava na casa dos 70. Era magro, taciturno, silencioso. Ninguém sabia ao certo qual era a sua profissão. Alguns diziam que havia sido um grande advogado. Outros, que era empresário, tinha fazendas.

Quando sua mulher morreu, o prédio todo ficou comovido. Acharam que ele não fosse suportar. Mas não perdeu a elegância nem durante o velório. Ficou o tempo todo ao lado do corpo. De quando em vez, enxugava contidas lágrimas. Uma dignidade de fazer inveja.

Nas semanas seguintes, seu Agenor parecia tranquilo. Até demais. Doou as roupas da falecida; manteve seus pequenos rituais. Todos os dias, pontualmente às 17h, ia à padaria. E foi justamente ali que começou a transformação.

Era uma terça-feira. Como sempre, seu Agenor estava elegantíssimo. Usava um terno cinza, risca de giz. Nada demais para ele, não fosse pelas sandálias femininas que calçava. Como não poderia deixar de ser, as sandálias eram de extremo bom gosto - e com um salto 15.

A notícia se espalhou rapidamente. Não se falava em outra coisa no prédio. Todos os moradores queriam saber da história. “Ele está gagá”, diziam uns, “é o espírito da falecida”, afirmavam outros. A portaria passou a ser uma espécie de central de informações, com direito a atualização on line via interfone.

E seu Agenor não deixou ninguém esperando. Diariamente aparecia com uma nova peça de roupa. Primeiro foram as sandálias. Depois as meias finas. Em seguida começou a usar saias. Em poucas semanas, a transformação estava completa, incluindo peruca, maquiagem e acessórios.

Em um sábado à tarde, ele finalmente falou. Não deu explicações ou justificativas. Simplesmente pediu para, daquele momento em diante, ser chamado de D. Sofia.

quinta-feira, 15 de março de 2012

P.A.

Quando Luis Alberto ficou com Glorinha, com o perdão do trocadilho, foi a glória. Logo ele, que não fazia sucesso com as mulheres, tinha beijado a menina mais bonita do bairro. E não foi só. Tiraram um sarro no carro dela e marcaram de se encontrar de novo na quinta-feira.

A semana demorou meses para passar. Ele quase não dormiu. Não estava acostumado com isso. Geralmente, tinha de se esforçar muito para sair com alguma mulher. E mesmo assim quase nunca dava certo. Mas dessa vez era diferente. Fora ela que tomara a iniciativa. Agora era só deixar rolar.

Passou a quinta-feira ao lado do telefone. Queria ligar, mas não tinha coragem. Quando Glorinha ligou, sentiu até uma vertigem. Marcaram para as oito horas. Ela iria buscá-lo em casa. Gastou o resto do dia escolhendo lugares. Fez até uma lista. E, pelo sim pelo não, pediu dinheiro emprestado a um amigo.

Glorinha foi pontual e, para seu espanto, objetiva. Foram direto para o motel. Não deu nem para beber uma cerveja. Começaram a se agarrar na escada. Apesar do nervosismo, Luis Alberto trabalhou bem. Não entendeu direito o que estava acontecendo, mas aproveitou tudo que pode. Quatro horas e cinco trepadas depois, ela deixou-o em casa.

Acordou com a sensação de ser o super-homem. Tinha a certeza de que estava namorando. Nada o abalava. Nem mesmo o fato de Glorinha não atender a seus telefonemas. Nenhuma das nove tentativas. Só foi ficar grilado quando se encontraram por acaso no dia seguinte. Ela passou direto. Mal o cumprimentou.

Nos dias seguintes, a coisa não mudou. Ele a procurando e ela o ignorando. Quando Luis Alberto já estava ficando desesperado, Glorinha ligou. Marcou outro encontro para quinta-feira. O roteiro foi o mesmo. Direto para o motel e de lá para casa. Sem conversas nem justificativas.

Depois de algumas semanas, Luis Alberto não aguentou mais. E exigiu uma explicação. Glorinha foi simples e direta. Era assim ou nada. Só sexo. Sem compromisso, nem cinema aos domingos. Ele até poderia sair com outras mulheres desde que tivesse a quinta-feira livre. Luis Alberto titubeou. Mas depois de pesar os prós e os contras, acabou topando. E treparam mais uma vez.

quinta-feira, 8 de março de 2012

Meio Feliz

A história deles parecia um conto de fadas. Ou uma comédia romântica, daquelas bem chinfrins. Se conheceram na faculdade, foram amigos por quase quatro anos. Aí perceberam que havia algo a mais. Ela terminou o noivado para ficarem juntos. Ele abandonou a noite, os amigos, as bebedeiras sem fim.

E juntos viveram os dias mais felizes de suas vidas. Apaixonados. Namoraram um tempo e logo já estavam noivos. Nunca se trairam, nunca se enganaram. Quando marcaram o casamento, todos tinham certeza que haviam nascido um para o outro.

O casamento foi lindo. Em uma igrejinha de Tiradentes. Cercados por amigos queridos. Até o padre sabia que ia dar certo. Eles exalavam alegria. Sonhavam com a lua de mel em Veneza. E foram felizes para sempre...




Uma pena que o sempre dura pouco. Meses depois cairam na real. Ela estava desempregada, ele ganhava apenas o suficiente. A vida confortável que tinham na casa dos pais não existia mais. Brigavam pela conta de luz, pelo carro batido, por não ter nada melhor para fazer.

Quando ela engravidou, torceram por dias melhores. Fizeram planos. Estavam quase felizes de novo. Mas o filho nasceu com problemas. Foram semanas na UTI. Tentaram buscar a razão. Se culparam como ninguém deveria. Mas foi só um susto. Tudo ia ficar bem.

Não ficou. Mesmo com o menino saudável, já não tinham a mesma segurança. Ela cada vez mais estranha. Ele sempre distante. A solidão tomou conta. Pararam de fazer planos. Passaram a viver um dia após o outro. Ela sentia saudades dos pais. Ele passou a encontrar os velhos amigos da noite.

O menino cresceu. Eles envelheceram. Quando ela quis ter outro filho e ele recusou, viram que não havia futuro. Ainda tentaram mais alguns anos. O suficiente para perder até o carinho que sentiam um pelo outro. Terminaram na justiça. Com a guarda do filho compartilhada e uma única certeza: a vida sempre continua.

quinta-feira, 1 de março de 2012

Desilusão Ortográfico-amorosa


Lúcia era linda. Morena, corpo escultural. Ele a conheceu através de um amigo em comum. Foi paixão à primeira vista. Até a moça anotar um recado. Nada demais, não fosse pela terceira linha, ali, quase no final da mensagem: "Simplismente".

Arnaldo suportava tudo, mas erros de português jamais! Gostava de culpar sua mãe, professora primária, pelo problema. Mas ela, coitada, também sofria com as manias do filho. Certa vez, por distração, escrevera "prezunto", na lista de compras. Foi o suficiente para ele passar duas semanas sem lhe dirigir a palavra.

Por essas e outras, já beirava os quarenta e continuava solteirão. E não foi por falta de tentativas. Jaqueline falava “houveram”; Martha adorava um “pra mim fazer”; Juliana não acertava uma crase. Teve a Silvinha, é verdade, que era perfeita na ortografia, mas tinha a péssima mania de colocar espaço antes da vírgula.

Mas quando conheceu Maria Alice, sua vida mudou. Ela era formada em letras e tinha até alguns poemas publicados. Falava um português corretíssimo. Mesmo nas brigas, nunca errava uma concordância. Passavam noites conversando - com ênclises, próclises e mesóclises.

Depois de alguns meses, Arnaldo notou um problema em Maria Alice. Começou quando ela esqueceu um livro na casa dele. Para seu grande desgosto era um Paulo Coelho. Não podia acreditar. Passou a observar a namorada. Ela só lia Augusto Cury, Stephenie Meyer, Dan Brown. Fora as autoajudas de baixíssimo calão.

Ele lutou bravamente. Passou a citar Drumond, elogiar Machado de Assis. Ia com ela a livrarias, indicava os clássicos. Num arroubo de coragem, chegou a lhe dar um Guimarães Rosa de presente. Mas nada adiantou. Bastava um autor ficar famoso para Maria Alice ler. Ele começou a implicar. Ela não entendeu o motivo. Terminaram por causa do Gabriel Chalita e do Padre Marcelo Rossi.
Ludopédico Romance

1º Tempo
Se conheceram em uma festa. Moravam perto, mas nunca haviam se visto. O interesse foi imediato. Mas ela beijava outro cara. E um caso dele estava na área. Mesmo assim, trocavam olhares. Em um lance rápido, ele a viu sozinha. A bola nas costas foi inevitável. Trocaram telefones e Facebooks. Não bastou. Ele insistiu. E esperou. Já nos descontos, conseguiu um beijo furtivo.

2º Tempo
Conversaram todos os dias. Até finalmente se encontrarem. Ficaram. Gostaram. Havia uma química, pensava ela. Que mulher gostosa, dizia ele. As noites eram quentes. Os dias nem tanto. Eram diferentes na essência. Ele meio certinho. Ela decidida de si. Mas competiam em tudo. Um dia, na lateral, surgiu uma ponta de ciúmes. Brigaram. Foram ríspidos. Quase desleais. Decidiram terminar. Assim ninguém ganhava, mas também não perdia.

Prorrogação
Aí veio a saudade. Ela estava carente. Ele, beliscando azulejos. Nem o orgulho - que tinham em comum - foi impedimento. Passaram dois dias trancados em casa. Quando tudo parecia perfeito, ele admitiu. Tinha saído com uma amiga dela. Os gritos incomodaram a vizinhança. No auge da raiva, ela deixou escapar que saia com um ex. O mesmo que beijara na naquela festa. Era o fim. Mas o empate persistia.

Pênaltis
Um amigo em comum marcou o derradeiro encontro. Mas não ficou para ver. O clima era pesado. Ela bateu primeiro. Foram muitos palavrões. Ele escutou calado. Depois, descontou com ironias. Toma lá, dá cá. Nas mesas em volta, havia até torcida. E assim permaneceram. Até ele vacilar. A vitória parecia certa. Mas ela também refugou. Meio que por conveniência, meio que por se gostarem, dividiram o título. E a cama, pelos anos seguintes.
Haja Coração

Começou assim. Primeiro foi um. Médico respeitado. Se conheceram em uma festa. Trocaram telefones. Saíram algumas vezes. Acabaram ficando. Ela tinha 32. Ele, 54. Era um amor confortável. Feito de restaurantes finos e hotéis de luxo. Se o sexo não era lá essas coisas, as gentilezas compensavam. Ele a respeitava. Não perguntava o que ela fazia, que horas voltava. Se encontravam duas vezes por semana. Religiosamente. Nos outros dias, nem se falavam. Parecia perfeito.

Parecia. Mas faltava algo. Aí aconteceu. Não se sabe se foi o excesso de espaço. Ou a diferença de idade. Mas numa quarta-feira, meio chuvosa, ela conheceu o outro. Era advogado. Bem apessoado. 34 anos. O interesse foi mútuo. E instantâneo. Ficaram e dormiram juntos logo na primeira noite. E começaram a namorar. Tinham muito a ver um com o outro. Gostavam das mesmas coisas, faziam os mesmos programas. Um casal quase perfeito.

Quase. Porque ela, claro, não abandonou o Médico. Pelo contrário, estava cada vez mais firme. Só que agora, tomava mais cuidados. Sua agenda era cuidadosamente planejada. Ela dava exatamente a mesma atenção aos dois. E, por via das dúvidas, evitava que ambos frequentassem sua casa. Como morava com duas amigas, era fácil manipular. Dizia que elas falavam demais. Que não queria ter sua vida vasculhada. E desse modo, levava a situação.

Estava feliz como poucas vezes na vida. Cada um completava um lado. O Médico era cortês, educado, charmoso. Quase um Richard Gere. Já o Advogado compreendia sua alma. Entendia seus sentimentos. Com ele, se sentia totalmente à vontade. E o sexo era mágico. Espiritual. Não faltava mais nada.

Quer dizer, era isso que ela pensava. Até uma noite, em que perdeu a chave e foi dormir na casa de uma amiga. E conheceu o irmão dela. Estudante de arquitetura. 24 anos. Um xuxu. Tentou evitar. Mas os olhares acabaram se cruzando. Ela sentiu um arrepio. Quando percebeu, já estavam sozinhos. A amiga dormia há tempos. Ela não aguentou. Se agarraram ali mesmo. E marcaram a transa para a noite seguinte. Na casa dela.

Como os outros dois não iam lá, a barra estava limpa. E a performance superou as expectativas. Ele era a virilidade em pessoa. Energia pura. Testosterona acumulada. Para evitar problemas, contou sobre os outros dois. E combinou que ele iria preencher os espaços vazios. Literalmente. Sempre que houvesse uma oportunidade, ela ligaria. E ele apareceria.

Agora sim. Ela estava realizada. Tudo bem que às vezes passava sufoco. Como no dia que o Advogado fez uma visita surpresa. O Arquiteto ficou quase uma hora embaixo da cama. Ou quando parou o carro do lado do Médico. Com o Advogado no banco do passageiro. Mas não importava. Gostava dos três.

Nessa toada se passaram seis meses. Tudo às mil maravilhas. Parecia que ia durar para sempre. Foi quando ela começou a misturar as coisas. O Médico queria construir uma casa. Sem perceber, ela indicou o escritório onde o Arquiteto trabalhava. Por distração também, no dia que o Advogado se machucou jogando bola, ela comentou do Médico, especialista em joelhos. Para finalizar, o Arquiteto tinha uma ação na justiça. Mais uma vez, ela vacilou e acabou passando o telefone do Advogado.

Quando caiu em si, o pior havia acontecido. Eles ficaram amigos. Nem desconfiavam da situação. Mas de alguma forma estavam conectados. Tinham algo em comum. Os três só falavam nos novos companheiros. Pareciam crianças. Ela redobrou os cuidados. Vivia tensa. Mas só perdeu o controle mesmo naquela quinta-feira.

Acordou carente. Tinha três namorados. Mas ainda assim se sentia esquecida, abandonada. Passou o dia pensando com qual gostaria de encontrar. Não conseguia decidir. Queria os três. Resolveu ir por ordem de chegada. Ligou para o Médico. Não podia. Tentou o Advogado. Também ocupado. O Arquiteto? Resposta negativa. Então a ficha caiu. Eles a trocaram por eles mesmos. O sangue ferveu. Nem pensou nas consequências. Saiu do jeito que estava. Encontrou-os em um bar. Foi um escândalo. Não deixou que eles dissessem sequer uma palavra. Aos gritos, terminou com os três ao mesmo tempo.
Vá entender

Ela sempre sonhou em casar. Aos seis anos, qualquer toalha de mesa virava vestido. Aos nove, obrigava os coleguinhas a subirem no altar. Cada dia era um. Para poder escolher. Sempre imaginava seu príncipe. Ele até variava no tipo, podia ser louro, moreno, grande ou pequeno. Mas sempre de cavalo branco. A salvava do perigo. E, invariavelmente, terminavam na igreja.

Quando começou a namorar, assustava os meninos. Logo no primeiro encontro já queria decidir o nome dos filhos. Para perder a virgindade foi uma novela mexicana. Ela queria casar pura, mas percebeu que isso podia demorar demais. Escolheu a dedo. Só poderia ser com aquele. Esperou os pais viajarem, comprou velas, vinhos, incensos. Claro que não foi bom. Mas espalhou que foi perfeito.

Na faculdade, começou a namorar sério. Fez até enxoval. Sem ele saber, óbvio. Tudo corria às mil maravilhas. Até o namorado descobrir que ela tinha reservado a igreja. Quase terminaram. Mas só foi acabar mesmo quando ela começou a parcelar o vestido de noiva. Já estava a ponto de desaminar. Aí “Ele” apareceu.

Era gringo. Loiro, alto. Perfeito. O príncipe encantado. Se apaixonaram imediatamente. Com medo de perdê-lo, evitou falar em casamento. Nem acreditou quando ele tocou no assunto. Como teria de voltar para casa, casar era a única forma de continuarem juntos. Combinaram tudo. A cerimônia seria em dois meses.

Foram os dias mais felizes da vida dela. Queria que tudo fosse exatamente como sonhava. Reservou a igreja, mandou fazer vestido, comprou alianças. Convenceu o pai a bancar a festa. Para não fazer feio, entrou em um regime radical. Só comia alface, brócolis e ovos cozidos. Isso fora a mudança. Largou o emprego, vendeu o carro. Agora só faltava o sim.

A uma semana do casamento, começou a se sentir estranha. A empolgação tinha acabado. Não conseguia dormir. Não queria comer. Estava triste. Como nunca na vida. Achou que fosse coisa passageira. Mas piorou. Não parava de pensar que tudo ia mudar para sempre. Ia virar esposa. Acordar junto todo dia. Ter filhos.

Na véspera do grande dia, entrou em pânico. Num ato que misturou ousadia e desespero, terminou tudo. O namorado até riu. Achou que fosse brincadeira. Não era. Depois de uma vida dedicada às bodas, concluiu que não queria. De nada adiantaram as súplicas dele. Nem a vergonha da mãe ou o prejuízo do pai - que já tinha pago tudo adiantado. Ela estava decidida.

E assim foi. Por meses a fio, o assunto casamento ficou proibido. Se alguém perguntasse sobre o acontecido ela virava a cara. Mas aos poucos a poeira foi baixando. Quando deu por si, já estava novamente fazendo planos. Imaginando seu príncipe. Mas agora ela sabia. O que realmente gostava. Era de sonhar.
Confissões

“Lucineide, eu tenho uma amante”. Foi assim que ele disse. A seco. Sem mais delongas. O almoço servido, esfriando na mesa. E o silêncio; digno de um maracanazo. Depois continuou: “estamos juntos há seis meses. Ela é 20 anos mais nova que você”.

Ela permanecia imóvel. Nenhuma reação, nenhuma expressão. Sequer um gemido. Nada. Ernesto não sabia o que fazer. Estava preparado para qualquer reação, mas não para essa indiferença. Esperava gritos, lágrimas, blasfêmias. Havia até mudado um vaso de lugar, para o caso da mulher partir para a agressão.

Ele pigarreou, tentou assoviar alguma coisa. O tempo não passava. Começou a suar frio. Pensou em levantar e ir embora. Não teve coragem. Aos poucos, foi perdendo o controle. As idéias embaralhavam. Nada fazia sentido. Aí ele se entregou.

Entre lágrimas, começou a falar: “me desculpe, Lucineide. Eu não presto. Me perdoe, por favor. Ela não representa nada. É uma vadia, uma qualquer. Eu errei, admito. Mas posso mudar. Eu vou mudar. É você que eu quero. Eu te amo Lucineide, eu te amo!”

Nesse momento ela sorriu. Os anos de sofrimento haviam acabado. O silêncio não era de tristeza, mas de alívio. Lucineide se sentiu redimida, completa. A felicidade era tanta, que ela resolveu falar. E como falou. Contou de todos os seus amantes. Do porteiro, do professor de francês, do personal training, do melhor amigo dele. Falou das tardes de terça, das manhãs de quinta e até da rapidinha com o camareiro, durante a lua de mel. Disse que o amava, que o perdoava e que compreendia tudo.

Lucineide só não entendeu a reação dele. O porquê dos gritos, dos palavrões. Daquele vaso jogado nela. Quando o pedido de desquite chegou pelo correio, ela viu que a coisa era séria. E pensou alto: “como os homens são estranhos...”