quinta-feira, 1 de março de 2012

Desilusão Ortográfico-amorosa


Lúcia era linda. Morena, corpo escultural. Ele a conheceu através de um amigo em comum. Foi paixão à primeira vista. Até a moça anotar um recado. Nada demais, não fosse pela terceira linha, ali, quase no final da mensagem: "Simplismente".

Arnaldo suportava tudo, mas erros de português jamais! Gostava de culpar sua mãe, professora primária, pelo problema. Mas ela, coitada, também sofria com as manias do filho. Certa vez, por distração, escrevera "prezunto", na lista de compras. Foi o suficiente para ele passar duas semanas sem lhe dirigir a palavra.

Por essas e outras, já beirava os quarenta e continuava solteirão. E não foi por falta de tentativas. Jaqueline falava “houveram”; Martha adorava um “pra mim fazer”; Juliana não acertava uma crase. Teve a Silvinha, é verdade, que era perfeita na ortografia, mas tinha a péssima mania de colocar espaço antes da vírgula.

Mas quando conheceu Maria Alice, sua vida mudou. Ela era formada em letras e tinha até alguns poemas publicados. Falava um português corretíssimo. Mesmo nas brigas, nunca errava uma concordância. Passavam noites conversando - com ênclises, próclises e mesóclises.

Depois de alguns meses, Arnaldo notou um problema em Maria Alice. Começou quando ela esqueceu um livro na casa dele. Para seu grande desgosto era um Paulo Coelho. Não podia acreditar. Passou a observar a namorada. Ela só lia Augusto Cury, Stephenie Meyer, Dan Brown. Fora as autoajudas de baixíssimo calão.

Ele lutou bravamente. Passou a citar Drumond, elogiar Machado de Assis. Ia com ela a livrarias, indicava os clássicos. Num arroubo de coragem, chegou a lhe dar um Guimarães Rosa de presente. Mas nada adiantou. Bastava um autor ficar famoso para Maria Alice ler. Ele começou a implicar. Ela não entendeu o motivo. Terminaram por causa do Gabriel Chalita e do Padre Marcelo Rossi.

2 Comments:

Anonymous Flavia said...

Foi por essa porta se fechar que outras tiveram que se abrir...
- Arnaldo ainda há esperanças!



Alice era encantada com o namorado até a primeira viagem dele quando começaram a se comunicar através da internet. Ele disse que era dislexia. Alice chutou a bunda de um doente sem dó.

12:53 PM  
Blogger Bailarina said...

Fantástico, Freda!

Foi bom revê-lo na Carnavália belohorizontina!

Abs,

Bailarina

10:11 PM  

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