quinta-feira, 26 de abril de 2012

Dúvida


Paulo Eduardo andava meio desanimado. Numa fase daquelas que não pegava nem resfriado. Quando já não tinha sequer esperanças, conheceu Maria Alice. Era linda, simpática, inteligente. Parecia feita por encomenda. Ficaram amigos imediatamente e logo estavam saindo.

Foram dias de glória. Acordava pensando nela. Dava bom dia aos passarinhos. Assoviava músicas do Chico. E nem o vizinho chato do duzentos e dois o tirava do sério. Na firma, todos já comentavam, invejosos de tamanha felicidade. Tudo ia tão bem que começou a ficar preocupado.

E tinha razão. Numa quinta-feira, que ela não pode sair, aconteceu. Era para ser um ingênuo happy hour com a turma da pelada. E tudo caminhava para isso. Até que Sabrina apareceu. Além de irmã de um amigo, ela era uma paixão platônica de Paulo Eduardo. Tão maravilhosa quanto Inalcançável. 

Ela nunca lhe dera bola, é claro. Sequer o notara até aquela noite. Mas havia algo diferente nele. Misterioso. Quando Paulo Eduardo percebeu o interesse da moça, até tremeu. Pensou em ir embora. Quis mudar de lugar. Mas era Sabrina, a mulher que tanto sonhou. E por mais que tentasse resistir, não conseguiria.

Não mesmo. Acabaram ficando. Nem se importou com os amigos. A beijou com urgência e desejo. Como se o mundo fosse acabar ali. Terminaram na casa dele. Com as roupas espalhadas pelo chão. E a consciência mais pesada do hemisfério sul.

As semanas seguintes foram uma tortura. A dúvida o corroía. Por mais que quisesse, do fundo do coração, ficar com Maria Alice, não conseguia ignorar Sabrina. Pensava nas duas com a mesma frequência. As amava com a mesma intensidade. Apesar de tão diferentes, elas o completavam.

Optou por decidir da maneira mais sensata possível: tomando um porre. No final, a única coisa que resolveu é que nunca mais beberia daquele jeito. Acabou empurrando com a barriga o quanto pode. Mas não conseguia ficar tranquilo. Tinha insônia, calafrios e até um princípio de úlcera. A maioria dos homens adoraria aquela situação, mas não Paulo Eduardo.

Talvez por isso mesmo, começou a ficar estranho. Mal-humorado. E elas notaram. Primeiro foi Sabrina. Bem ao seu estilo, simples e direta. Não queria mais. E pronto. Ele não teve nem tempo de ficar aliviado. Maria Alice também queria conversar. Com mais delicadeza, tomou a mesma decisão. Era o fim. 

Depois de tanto amor, acabou sozinho - e tremendamente aliviado.

quinta-feira, 19 de abril de 2012

Vida na Grande Área

Já era madrugada de sábado quando se conheceram. Foi em um inferninho, desses em que a noite nunca acaba. O primeiro contato foi no balcão. Ele pedia uma dose de gim, ela, um vermouth com vodka. Foi a primeira de muitas afinidades. A conversa rolou naturalmente. Descobriram que tinham amigos em comum, que gostavam das mesmas coisas e até um parentesco longínquo.

Se beijaram quase que imediatamente. A química era perfeita. Pareciam nascidos um para o outro. Entre copos de conhaque e músicas do Ramones, a noite passou voando. Foi ela que tomou a iniciativa e fez o convite. Foram de táxi para o motel.

O sexo foi excelente. Sem frescuras ou não me toques. Se amaram profunda e verdadeiramente. Deram uma segunda. E até uma honrosa tentativa de uma terceira. Dormiram abraçados e completamente apaixonados.

Acordaram às duas horas da tarde. Se estranharam. Talvez pelo gosto amargo na boca, a cabeça latejando, o estômago embrulhado. Mas a ressaca moral era a que mais doía. Ele descobriu que ela era meio gorda. Ela achou que ele fosse mais bonito. O silêncio foi constrangedor. Se vestiram com pressa, sem intimidade. Se ainda restava alguma esperança, acabou quando ele propôs dividir a conta do motel.

Foram embora em táxis separados. Ambos planejando o que fariam à noite. Antes, contariam aos amigos sobre o acontecido. Ressaltariam as partes boas, omitiriam os detalhes constrangedores. E partiriam para outra. No final, sobraria uma certeza. Um sentimento. De que mesmo por pouco tempo, foi sincero. E de que, absurdamente, aquilo tudo valia a pena.

sexta-feira, 13 de abril de 2012

Mistério

"Paulo Henrique, precisamos conversar". Foi assim que Glorinha começou sua noite de núpcias. Ele, que já andava meio sem paciência com os arranjos do casamento, até tremeu, "Tem de ser hoje? Vamos conversar depois, meu amor...". Mas ela estava decidida, "Não, é melhor que seja agora. Na verdade, já até passou da hora...".

Namoravam há quase sete anos. Uma daquelas relações caretas, feitas de cinema no domingo, almoços de família e quartos separados em viagens. Demoraram quase dois anos para a primeira transa. E mesmo assim, só com muita pressão dele.

Pressão também foi para marcar o casamento. Só que, claro, da parte dela. Paulo Henrique ainda tentou enrolar, mas não teve jeito. Estavam juntos há tempo demais. Gostava de Glorinha, era verdade, mas não tinha certeza se queria juntar as escovas de dente. Aos poucos a ideia foi se assentando e, perto da data, ele já estava empolgado.

Já Glorinha ficava mais tensa à medida que o tempo passava. Parecia preocupada. Não queria saber dos preparativos, da festa, do vestido. O que ninguém sabia é que havia um motivo para tanta ansiedade. Ela guardava um segredo. Algo que nem as amigas mais íntimas sabiam. Que ela não admitia nem para si mesma.

Apesar dos pesares, o casamento correu bem. O esquema tradicional de sempre: igreja enfeitada, recepção com bombons de uva e latas amarradas no parachoque do carro. A lua de mel seria em Paris. Tudo lindo, tudo perfeito. Se não fosse a tal conversa. Glorinha precisava se abrir. Não conseguiria passar o resto da vida ao lado de Paulo Henrique mentindo. Ainda mais com aquele segredo.

A conversa foi franca. Ela se abriu como nunca na vida. Finalmente contou seu segredo. E com todos os detalhes sórdidos. Paulo Henrique escutou calado. E sem dizer uma única palavra, arrumou suas coisas e foi embora. Nem se importou com a grana gasta no casamento e na viagem a Paris. Deixou tudo para trás e nunca mais quis saber da mulher.

O segredo? Glorinha jurou nunca mais contar. Nem mesmo para o seu terapeuta. E quando alguém perguntava sobre o ocorrido, ela respondia firme: "Nem queira saber..."